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A velinha

Era uma vez, uma lâmpada-líder que organizou um baile para todas as lâmpadas da região. Vieram todas vestidas de seu respectivo abajur, retocadas e enfeitadas.
A certa  altura, uma pobre velinha, timidamente entrou na sala e houve uma súbita ameaça de curto-circuito, que afetou algumas lâmpadas, que passaram a brilhar um pouco menos. Pouco a pouco, a lâmpada-líder foi aceitando a presença da velinha no imenso salão de festas. Resolveu, porém, fazer pouco-caso dela e chamou suas companheiras para perto, a fim de ouvirem o que a velinha, sem abajur, sebenta, teria a dizer:
- Quem é você?
- Uma vela, como você – respondeu a pobre vela.
- Isto nós sabemos. Mas o que você faz?
- Eu tenho luz independente, embora também a receba de outra fonte. Sou símbolo da fé e, apesar de vocês serem mais fortes do que eu, não visto abajur, porque sei que minha vida é efêmera. Minha luz nasce dentro de mim, bruxuleio e meu patrão volta a me acender sem precisar muito de socorro. Sou tão perigosa quanto vocês, mas não gero tanta catástrofe. Uma criança pode servir-se de mim, mas me respeita mais do que a vocês. Vou diminuindo enquanto ilumino. Valho muito aos olhos dos homens que, quando não conseguem acender vocês, recorrem sempre a mim.
As lâmpadas não conseguiram conter o risinho histérico diante daquele espetáculo de inferioridade. Subitamente, houve um mal-estar geral e todas foram se apagando, gritando por socorro, até que a sala escureceu. Só restou a velinha, que acompanhou o eletricista para os trabalhos de reparos. Quando as lâmpadas voltaram a si e se reuniram para pedir desculpas à velinha, ela já era um punhadinho de cera, dando o último suspiro. Havia dado a vida para que suas amigas mais fortes pudessem continuar o baile.

A fortaleza de um homem

imagem weheartit.com

A fortaleza de um homem não está na largura de seus ombros,
Está no tamanho de seus braços quando abraçam.
A fortaleza de um homem não está na intensidade do tom de sua voz,
Está na gentileza de suas palavras.

      A fortaleza de um homem não está na quantidade de amigos que tem,
Está em se tornar bom amigo de seus filhos.
A fortaleza de um homem não está em como o respeitam em seu trabalho,
Está em como é respeitado em sua casa.
A fortaleza de um homem não está na dureza com que pode bater,
Está delicadeza de suas carícias.
A fortaleza de um homem não está em seu cabelo ou em seu peito,
Está em seu coração.
A fortaleza de um homem não está nas mulheres que tenha conquistado,
Está em poder pertencer a uma mulher verdadeiramente.
A fortaleza de um homem não está no peso que possa levantar,
Está nas cargas que pode carregar nas costas.

A tocha da fé


Aconteceu em Fátima.

Numa cidade portuguesa, vivia um senhor chamado Pradeira que trabalhava com a importação de maquinaria inglesa. Ele era muito feliz com sua família.

No verão de 1961, entrou em contato pelos seus negócios com um senhor chamado Smith e que pertencia a Igreja  Presbiteriana. Logo se fizeram  muito amigos e visitaram várias cidades portuguesas. O inglês admirava, em seu amigo português, a encantadora devoção a Nossa Senhora. O português admirava, no seu amigo inglês, a honestidade com que procedia nos negócios.

Antes de terminar a estadia em Portugal, se anunciou a peregrinação nacional a Fátima, para o dia 31 de outubro. O Sr. Pradeira convidou seu amigo protestante para irem juntos a Fátima, dizendo que,  assim, poderia conhecer mais o entusiasmo da alma portuguesa e que não se arrependeria da viagem.

O Sr. Smith concordou. Estando para começar a impressionante  procissão das tochas, o Sr. Pradeira comprou três velas apenas: para ele, sua esposa e seu filho, querendo respeitar a religião do seu amigo que não cultua Nossa Senhora e praticava sua crença de boa fé.

Nisto, o Sr. Smith se adiantou e falou:

-Por acaso não tem uma tocha para mim? Será que não posso participar da procissão com a tocha acesa?

-Claro que sim - falou o Sr. Pradeira. – Agora mesmo arrumo uma tocha para você.

Pouco tempo depois, tinha comprado uma e deu a seu amigo...

Este pegou seu isqueiro e aproximou a chama à vela. Aí aconteceu que o esperava a graça de Deus, pela mediação de Nossa Senhora. Ele pensava que acenderia com a mesma facilidade com que viu acender-se as tochas de seus amigos, mas não foi assim.

Apenas a chama acendeu um pouco, apagou-se na sua mão... ele não deu importância e voltou aproximar a chama tirada novamente de seu isqueiro, mas de novo se apagou..

O filho do Sr. Pradeira aproximou sua chama e as duas chamas se apagaram... de novo, o Sr. Smith pegou o isqueiro e tentou acender a chama do jovem filho de seu amigo e desta vez a chama pegou, mas, para sua surpresa, a chama da tocha, depois de alguns momentos, se apagou de novo. O Sr. Pradeira, já visivelmente preocupado, pegou sua própria tocha acesa e a deu a seu amigo.

Para surpresa, também esta se apagou.

Todos se sentiram profundamente impressionados.

Então, o filho do Sr. Pradeira, gentilmente, falou ao senhor inglês:

- Não se preocupe Sr. Smith, dê para mim a vela e eu a esconderei...

Mas o Sr. Smith disse comovido:

-Eu quero que a minha luz também brilhe para Nossa Senhora.

Aí, o Sr. Pradeira disse:

-Olhe para Nossa Senhora e confie nela...

E assim fez.

Naquela noite, em que Maria belamente iluminada avançava no meio dos peregrinos, o Sr. Pradeira disse:

- Esta luz agora não vai se apagar.

E pegando a tocha escondida de seu filho, a acendeu e deu a seu amigo inglês.

A partir desse momento, as quatro tochas ficaram acesas durante toda procissão.

Terminada a procissão, o Sr. Smith disse a seu amigo:

-Eu quero conhecer a religião católica.

Assim aconteceu, e ele terminou confessando a fé católica até os dias de hoje.

Comentando mais tarde o que aconteceu naquela noite disse:

-Feliz aquele momento em que, quando meu filho quis esconder a tocha apagada, você disse:

“Não, eu quero tê-la acesa em honra de Nossa Senhora.”


Deus sabe o que precisamos

Um belo dia, um frade ia passando pelo bosque e viu uma plantinha, quase morrendo.
Ele levou-a para sua casa, cuidou dela e pediu a Deus chuva para a plantinha refrescar.

Pediu também sol, pois sem ele, a plantinha não iria viver. E, como ele gostava muito dela, pediu também neve para que seus galhos ficassem bem firmes.

Só que depois que ela pegou neve, morreu, e o frade ficou muito triste.

Ele sabia que outro frade, colega seu, também tinha uma plantinha e ela estava muito bonita.

O frade perguntou ao seu amigo:

-Por que a sua plantinha está viva? O que dá para ela?

O frade respondeu:

-Eu falo pra Deus mandar tudo o que a plantinha necessita.

A essência do ser


Saberás da dor e da aflição
de estar com muitos, mas vazio.
Saberás da solidão da noite
e da extensão dos dias.

Saberás da espera sem paz
e do aguardar com medo.
Saberás da soberba daqueles que detêm o poder
e submetem sem compaixão.

Saberás do abandono dos teus
e da impotência do adeus.
Saberás que já é tarde
e quase sempre impossível.

Saberás que és tu sempre a dar
e sentes que poucas vezes recebes.
Saberás que freqüentemente pensas diferente
e talvez não te entendam.

Mas saberás também:
Que a dor redime.
Que a solidão cura.
Que a fé engrandece.

Que a esperança sustém.
Que a humildade enobrece.
Que a perseverança modera.
Que o esquecimento suaviza.

Que o perdão fortalece.
Que a lembrança acompanha.
Que a razão guia.
Que o amor dignifica...

Porque unicamente o que vale
é aquilo que está dentro de ti,
e acima de tudo está Deus.
Só tens que descobri-Lo
e assim encontrarás a verdadeira Paz.

                                                                                 (Beato João XXIII)

Mãos dadas

Nós rezamos e vemos muitas pessoas rezarem  o Pai Nosso  de mãos dadas. Gostaríamos que refletissem sobre o profundo mistério que envolvem essas mãos que se unem:

 A mão jovem se une à mão velha e, entre elas, se cruza a mão eterna do Cristo.

A mão débil se une à mão robusta e, entre elas, se cruza a mão firme do Cristo.
 
A mão branca se une a mão negra e, entre elas, se cruza a mão santa do Cristo.
A mão trêmula se une à mão segura e, entre elas, se cruza a mão sustentáculo do Cristo.
A mão calejada se une à mão sedosa e, entre elas, se cruza a mão cravejada do Cristo.
 
A mão do médico se une à mão do doente e, entre elas, se cruza a mão ensangüentada do Cristo.
 
A mão do empregado se une à mão do patrão e, entre elas, se cruza a mão de mestre do Cristo.
 
A mão da ignorância se une à mão da sabedoria e, entre elas, se cruza a mão onisciente do Cristo.
 A mão pecadora se une à mão da graça e, entre elas, se cruza a mão do perdão do Cristo.
 
A mão da vida se une à mão da morte e, entre elas, se cruza a mão redentora do Cristo.
 Lamentavelmente, somente mãos fechadas não se unem a outras mãos fechadas.
Mas, mesmo assim, entre elas se põe, e entre elas se cruza a mão aberta do Cristo! 

O tempo certo

            De uma coisa podemos ter certeza: de nada adianta querer apressar as coisas. Tudo vem ao seu tempo, dentro do prazo que lhe foi previsto.

            Mas a natureza humana não é muito paciente. Temos pressa em tudo!

            Aí acontecem os atropelos do destino, aquela situação que você mesmo provoca, por pura ansiedade de não aguardar o tempo certo.

            Mas alguém poderia dizer: Mas qual é esse tempo certo?

            Bom, basta observar os sinais. Geralmente quando alguma coisa está para acontecer ou chegar até sua vida, pequenas manifestações do cotidiano,enviarão sinais indicando o caminho certo. Pode ser a palavra de um amigo, um texto lido, uma observação qualquer. Mas com certeza, o sincronismo se encarregará de colocar você no lugar certo, na hora certa, no momento certo, diante da situação ou da pessoa certa. Basta você acreditar que nada acontece por acaso! E talvez seja, por isso, que você esteja agora lendo essas linhas.

imagem weheartit.com

            Tente observar melhor o que está à sua volta. Com certeza, alguns desses sinais já estão por perto, e você nem os notou ainda. Lembre-se que o universo, sempre conspira a seu favor, quando você possui um objetivo claro e uma disponibilidade de crescimento.

Manuscrito encontrado

Segue tranqüilamente o teu caminho, em meio ao ruído e à agitação e lembra-te de que a paz se pode encontrar no silêncio.

Sempre que possível e sem humilhar-te, sê solidário com teu semelhante.

Enuncia tua verdade de maneira serena e clara e escuta o que te falam os homens, mesmo que te fale o torpe ou o ignorante, pois também eles têm a sua mensagem.

Evita os homens de voz ruidosa e agressiva, pois pecam contra o espírito.

Se te comparares aos outros, ficarás amargurado, pois sempre haverá pessoas melhores e piores do que tu.

Sente satisfação por teus êxitos, tanto quanto por teus planos.

Preza o teu trabalho, por humilde que seja, pois ele é um verdadeiro tesouro nas fortuitas mudanças dos tempos.

Sê cauteloso em teus negócios, pois o mundo está cheio de enganos, mas não deixes que isto te torne cego à virtude que existe.

Muitas pessoas se esforçam por alcançar nobres ideais e não é raro o heroísmo.

Sê sincero contigo mesmo e principalmente não finjas afeto nem sejas cínico no amor, pois em meio a
tanta aridez e desenganos, o amor é tão perene como a relva em que pisas.

Acata docilmente o conselho dos anos, abandonando com alegria as coisas da juventude.


Cultiva a firmeza de espírito para que te proteja nas adversidades repentinas. Muitos temores nascem da fadiga e da solidão; baseado em sã disciplina, sê benigno contigo mesmo.


És uma criatura do universo não menos que as plantas e as estrelas.

Tens o direito de existir e mesmo que isto não te pareça claro, o universo sem dúvida caminha como deveria caminhar. Por isto, deves ficar em paz com Deus, seja qual for a idéia que Dele faças; e sejam quais forem tuas aspirações e tua missão, conserva a paz em tua alma, pois, a despeito das dores e sonhos desfeitos, o mundo ainda assim tem sua própria beleza.

Sê cauteloso, esforça-te por ser FELIZ.
imagens: weheartit.com

Mude

Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade.

Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa.

Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois, mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com atenção os lugares por onde você passa.

Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas. Dê os seus sapatos velhos. Procure andar descalço alguns dias.
Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas. Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama... depois, procure dormir em outras camas.
Assista a outros programas de tv, compre outros jornais... leia outros livros.
Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade. Durma mais tarde. Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes, novos temperos, novas cores, novas delícias.
Tente o novo todo dia.
o novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor,
a nova vida.
Tente.
Busque novos amigos. Tente novos amores. Faça novas relações.
Almoce em outros locais, vá a outros restaurantes, tome outro tipo de bebida compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado... outra marca de sabonete, outro creme dental... tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.
Ame muito, cada vez mais, de modos diferentes.
Troque de bolsa, de carteira, de malas, troque de carro, compre novos óculos, escreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios, quebre delicadamente esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas, outros cabeleireiros, outros teatros, visite novos museus.

Mude.

Lembre-se de que a Vida é uma só.
E pense seriamente em arrumar um outro emprego, uma nova ocupação, um trabalho mais light, mais prazeroso, mais digno, mais humano.

Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as. Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possível sem destino.
Experimente coisas novas.
Troque novamente. Mude, de novo. Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas mais pitorescas que as já conhecidas, mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda!
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!!!
                                               (Clarice Lispector)
imagens; weheartit.com

Encha de amor

            Sempre que houver um vazio em sua vida, encha-o de amor.



            Adolescente, jovem, velho: sempre que houver um vazio em sua vida, encha-o de amor.
            E quando souber que tem diante de você um tempo ocioso, vá buscar o amor.
            Não pense: "Sofrerei".
            Não pense: "Me enganarão".
            Não pense: "Duvidarei".
            Vá simplesmente, de maneira diáfana, alegremente, em busca do amor.
            Que espécie de amor?  Não importa: todo amor está repleto de excelência e nobreza.
            Ame como puder, ame a quem puder, ame tudo o que puder... mas ame sempre.
            Não se preocupe com a finalidade do seu amor; ele carrega em si sua finalidade.
            Não se julgue incompleto porque não respondem às suas ternuras; o amor leva em si a própria plenitude.
            Sempre que houver um vazio em sua vida, encha-o de amor.

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A gente se acostuma

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se a costuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir inteiramente as cortinas.

E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar, de manhã, sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.

A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra.

E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceita ler todo dia de guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta .

A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que necessita. E a lutar para ganhar dinheiro com que se paga. E a ganhar menos do que precisa.

E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma a poluir. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às besteiras da água potável. À contaminação da água do mar.

À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir os passarinhos, a não colher frutas no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce o pescoço.
Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado.
A gente se acostuma para não ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colassanti
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Escolheria o cacto

            Caía o terrível sol da tarde e o povo se assava debaixo do calor. “É um crepúsculo magnífico. Este é sempre o melhor lugar”.

            Olhei atrás de mim e vi um homem alto e magro, mas alto, muito alto, e pode ser até que fosse mais magro que o meu avô. Levava um chapéu de caipira, maltratado e velho. E os cabelos da cor da neve lhe chegavam ao ombros. Assim, entrou o professor Von Vollensteen, Doc, em minha vida.

            Eu tinha, então seis anos. Pouco tempo depois, convenceu minha mãe a me deixar acompanhá-lo na busca de cactos para seu jardim, “situado no topo, mais ou menos plano, de um monte, que dominava o povoado e o vale”, em troca de dar-me aulas de piano. “Para chegar no topo, era preciso subir dez minutos de encosta, solitários, por uma estradinha de pedras e de terra que não levava a lugar nenhum. Aquele jardim de cactos talvez fosse a melhor coleção particular de cactos do planeta. Eu, que me converti num especialista em cactos, nunca vi outro melhor.”

            O certo é que minha mãe, desconcertada e, ao mesmo tempo, encantada, acabou acedendo ao pedido de Doc, quando este lhe explicou sua teoria sobre os cactos: “Se Deus escolhesse uma planta para representá-Lo, eu creio que, entre todas, escolheria o cacto. O cacto possui quase todas as bênçãos que Ele tentou outorgar ao homem, quase sempre em vão. O cacto é humilde, mas não submisso. Cresce onde nenhuma outra planta é capaz de crescer. Não se queixa se o sol lhe queima as costas, nem se o vento o arranca das rochas e o sepulta na areia seca do deserto, nem se está sedento. Quando chega a chuva, armazena água para futuros tempos difíceis. Floresce, da mesma forma, no bom e no mau tempo. Protege-se do perigo, mas não fere a nenhuma outra planta. Adapta-se perfeitamente quase que em qualquer meio. No México, há um cacto que só floresce uma vez, a cada cem anos, e à noite. Isso é santidade em um grau extraordinário, você não concorda? O cacto tem propriedades que lhe permitem curar as feridas dos homens, e se extraem dele poções que podem fazer com que um homem toque o rosto de Deus ou apareça na boca do inferno. É a planta da paciência e da solidão, do amor e da loucura, da beleza e da feiúra, da dureza e da suavidade. Você não acredita que, entre todas as plantas, Deus fez o cacto à sua própria imagem?”

(Peekay, protagonista de”La potendia de uno”, de Courtenay)
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